Uma tenda para Deus
morar
Depois que o homem saiu das cavernas, a tenda
foi uma das primeiras formas de habitação que a humanidade encontrou. Tão
simples, feita do arranjo de tecidos, paus e cordas, espalhou-se por todas as
regiões da Terra: tomou-se moradia dos nativos da América do Norte e dos
beduínos do Saara, dos habitantes da Mongólia e dos povos nômades do Oriente
Médio. Ela ainda se encontra bastante presente em nossa cultura: nos
acampamentos militares e esportivos, nos circos, em situações de emergência
(incêndios, epidemias, terremotos), em protestos políticos, em shows de rock,
nas Jornadas Mundiais da Juventude ... Estar debaixo de uma tenda é fazer ao
mesmo tempo uma experiência de proteção e precariedade. A tenda é o último
refúgio. É mora dia provisória. É lugar de comunhão entre pessoas que se
querem bem, que se protegem, que zelam umas pelas outras, que "topam
qualquer parada" e compartilham uma mesma missão.
A tenda era a casa de Israel na sua
vida de constante mudança e travessia (cf. Gn 4,20; 12,8; 13,3; 18, ...). Moradia móvel,
permitia ao povo de Deus experimentar a força da união na trilha dura do
deserto.
Também o Deus Altíssimo quis se fazer
bem próximo de seu povo peregrino, habitando numa tenda (Ex 26). A "Tenda
da Reunião" era um santuário desmontável que acompanhava os israelitas em
todos
os seus caminhos na direção da
Terra Prometida, trazendo dentro de si o sinal máximo do carinho de Deus para
com Israel: a arca da aliança.
O Deus que se dispõe a morar numa
tenda é um Deus que ama estar misturado com a vida e a história do seu povo.
Não é um Deus que olha de cima, mas caminha junto, compartilha as alegrias e
angústias das pessoas, as protege, defende e inspira em todos os desafios. É o
"Senhor dos exércitos", que une o povo nas suas lutas de todos os
dias.
Essa moradia de Deus no meio da
humanidade chega à sua máxima expressão na pessoa de Jesus Cristo, Deus feito
gente como nós: "o Verbo se fez carne e habitou entre nós" (Jo 1,14).
Jesus é Deus que se faz amigo e mestre, que trabalha na carpintaria e no
anúncio do reino de seu Pai. Percorre as estradas da Palestina, interpelando
homens e mulheres, convidando-os a um jeito novo de viver. É um Deus que toca nas
feridas dos leprosos, nos olhos dos cegos, nos ouvidos dos surdos, que se
assenta à mesa com os pecadores, que se mistura com aqueles de quem ninguém
quer se aproximar: É um Deus que mergulha na noite da infidelidade, da
injustiça e da traição humanas, chegando a ser inscrito na lista dos
criminosos, punido com a morte humilhante na cruz. É um Deus que vence o poder
da morte e torna imortal a nossa carne tão frágil, abrindo para todos nós as
portas da ressurreição. A humanidade de Jesus é a tenda mais sublime que Deus escolheu
para fazer sua morada no meio de nós. Quem se aproxima do Mestre de Nazaré, é
de Deus que se aproxima; quem o vê, vê o Pai (Cf. Jo 14,9).
"Ele
está no meio de nós!"
O Senhor ressuscitado subiu aos céus
e está à direita do Pai. E agora? Onde fica a sua tenda? Onde Deus
mora? Jesus é generoso em apontar
o lugar de sua morada:
"Eis que eu estarei convosco todos os
dias, até o fim do mundo!" (Mt 28,20).
"Onde dois ou mais estiverem reunidos em
meu nome, ali estou eu no meio deles" (Mt 18,20).
"Se alguém me ama, guardará
a minha palavra e o meu Pai o amará e a ele viremos
e nele faremos nossa morada"
(Jo 14,23).
"Como o Pai me enviou, também eu vos envio
... Recebei o Espírito Santo. Aqueles a quem perdoardes os pecados, ser-lhes-ão
perdoados; aqueles aos quais retiverdes, ser-lhes-ão retidos" (Jo
20,22-23).
Em nossas celebrações litúrgicas,
reafirmamos a todo tempo o endereço atual de Jesus: "Ele está no meio de
nós!" Deus mora no meio das pes soas que verdadeiramente se amam: "Onde
o amor e a caridade, Deus aí está!" (Iiturgia da Quinta-feira Santa).
Nós, a Igreja, a comunidade dos discípulos
de Jesus, somos a tenda de Deus com a humanidade. Há
mesmo quem faça parte dessa tenda
e ainda não tenha sequer ouvido o nome de Jesus, mas é praticante
legítimo do mandamento do amor. Somos
presença de Deus no meio do mundo quando somos testemunhas da comunhão, do
serviço e da caridade. As pessoas de fora dessa tenda devem olhá-la e sentir que
Deus mora nela, exclamando: "Vejam como eles se amam!"
Um olhar bem realista e cheio de
saudável autocrítica, entretanto, permite-nos confessar que as coisas
nem sempre são assim. Podemos ser
tenda bela e vistosa, mas sem nada de Deus. Quando nos esquecemos de que é nas
nossas relações interpessoais que Deus faz a sua morada, começamos a correr de
cá para lá, procurando-o em alguns lugares ou pessoas famosas. As igrejas e
santuários de pedra são lugares abençoados porque é neles que o povo de Deus se
reúne, é neles que o Senhor faz também sua morada na palavra proclamada e no
pão e no vinho eucarísticos. Contudo, não adianta ir buscar Deus em Aparecida, em
Trindade, em Roma, em Jerusalém ou em qualquer outro lugar se conscientemente o
expulsamos das nossas relações familiares e comunitárias mediante a intolerância,
a desunião, o orgulho, a mesquinhez, a ânsia por poder e fama.
Santa Teresa d'Ávila convida seus
leitores a preparar uma moradia especial para Deus no "castelo interior"
da alma. Jesus, porém, convida-nos a ir ainda mais além, chamando-nos a
construir um "castelo
exterior" em que ele possa
fazer a sua morada entre nós por meio da nossa fraternidade sincera.
Que, no modo pelo qual nos tratamos
uns aos outros no dia a dia, possamos nos reconhecer como a
Jerusalém celeste descrita por
são João: "Eis a tenda de Deus com os homens. Ele habitará com eles; eles
serão o seu povo, e ele,
Deus-com eles, será o seu Deus. Ele enxugará toda lágrima dos seus olhos, pois
nunca mais haverá morte, nem luto, nem clamor, nem dor haverá mais. Sim! As coisas
antigas se foram!" (Ap 21 ,3-4).
(Fonte: Revista Ecoando. Ano x. nº38. p. 4-5)
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